Marginal na Contramão

Guigo RUA
2 min readApr 12, 2023

Um marginal, caminhando a pé na contramão dos carros na Marginal.

Tá um nevoeiro da porra.

Ele não vê o fim, mas sabe o caminho.

A distância de uma estação a outra, os 10 minutos que parecem meses.

Esse preço por andar no contrafluxo quando anoitece tem um preço alto.

Andar na contramão não é pra qualquer um.

Marginal não é qualquer um.

Na contramão reflete sobre o rumo certo da vida.

Pra onde vai, porque a chave não vira, porque mesmo andando na contramão se sente invisível.

Ele olha seus pares, a mesma raça que dorme nas calçadas, a gente deslocada com fone de ouvido olhando pra nada, o senhor da pele preta com olhar perdido, a criança assustada com barulho do busão e dos carros.

Curioso, essa mesma gente também é invisível.

Mas carregam algo tão precioso dentro delas.

Algo que só o marginal vê.

Ele sonha com o futuro.

O casamento, a festa, o filho com o macacão do Timão, se ele vai tomar enquadro quando estiver dirigindo, como vão ser as viagens pra gringa com a mulher.

Mas ele se olha no espelho.

No reflexo dos carros, luzes da cidade ele se vê adulto.

A cara de cansado, o olhar que carrega um oceano, de incertezas, cansaço e insônia.

- Se o que sou é tão potente, porque não consigo ir mais além? Pensa ele.

Entra na estação, na ponte olha para o horizonte. O céu de outono é tão bonito, colorido, que se torna uma linha do que separa mortais do Divino.

Mais uma noite sem respostas.

No fone, “Sobrevivendo no Inferno” embala a trilha da volta pra casa.

Amanhã é outro dia.

Thiago Guigo RUA

Crônicas da Cidade dos Pombos

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Guigo RUA

Artista digital, fotógrafo, videomaker e produtor audiovisual com influências do cinema, música e arte. A Folha não me deu oportunidade ae vim parar aqui.