Um marginal, caminhando a pé na contramão dos carros na Marginal.
Tá um nevoeiro da porra.
Ele não vê o fim, mas sabe o caminho.
A distância de uma estação a outra, os 10 minutos que parecem meses.
Esse preço por andar no contrafluxo quando anoitece tem um preço alto.
Andar na contramão não é pra qualquer um.
Marginal não é qualquer um.
Na contramão reflete sobre o rumo certo da vida.
Pra onde vai, porque a chave não vira, porque mesmo andando na contramão se sente invisível.
Ele olha seus pares, a mesma raça que dorme nas calçadas, a gente deslocada com fone de ouvido olhando pra nada, o senhor da pele preta com olhar perdido, a criança assustada com barulho do busão e dos carros.
Curioso, essa mesma gente também é invisível.
Mas carregam algo tão precioso dentro delas.
Algo que só o marginal vê.
Ele sonha com o futuro.
O casamento, a festa, o filho com o macacão do Timão, se ele vai tomar enquadro quando estiver dirigindo, como vão ser as viagens pra gringa com a mulher.
Mas ele se olha no espelho.
No reflexo dos carros, luzes da cidade ele se vê adulto.
A cara de cansado, o olhar que carrega um oceano, de incertezas, cansaço e insônia.
- Se o que sou é tão potente, porque não consigo ir mais além? Pensa ele.
Entra na estação, na ponte olha para o horizonte. O céu de outono é tão bonito, colorido, que se torna uma linha do que separa mortais do Divino.
Mais uma noite sem respostas.
No fone, “Sobrevivendo no Inferno” embala a trilha da volta pra casa.
Amanhã é outro dia.
Thiago Guigo RUA
Crônicas da Cidade dos Pombos